Mudar é difícil — mas não mudar pode te destruir
Permanecer onde dói parece mais simples, pelo conforto do desconhecido. Mudar pode não ser o mais fácil, mas com certeza é o menos dificil.
Querido diário,
Tem horas que nossa mente parece um armário todo bagunçado.
Para organizar, não tem jeito: tem que tirar tudo de dentro e jogar no chão. Só que o pique da arrumação passa rápido, e, de repente, você está no meio de uma pilha de roupas que parece prestes a te engolir. A bagunça se multiplicou. E você pensa: por que fui começar?
Dá vontade de fugir e fingir que não viu. Muita gente faz isso: empurra tudo de volta pro armário e fecha a porta. Mas o caos continua lá — só foi ignorado. E tudo bem querer desistir. É desconfortável mexer naquilo que ficou entulhado por tanto tempo. É cansativo. É chato. DEMAIS!
E não — isso aqui não é sobre armários.
Chega um momento dos vinte e poucos anos em que tudo isso lembra um pouco “A Metamorfose”, de Kafka.
Spoiler: um dia, do nada, o personagem principal acorda transformado em uma barata.
Não estou dizendo que me sinto um inseto asqueroso (embora, confesso, algumas situações me fazem sentir um pouco perto disso). Mas em algum momento, também acordei sem reconhecer meu reflexo. Já não sabia quem eu era. Nem se aquilo que eu achava saber sobre mim um dia foi verdade ou se era só uma construção dos outros, o que eles queriam que eu fosse ou detalhes da personalidade deles que eu tomei como meu para me “pertencer”.

Essa semana, li um texto que dizia: quando a gente não para para se conhecer— entender quem é, o que faz sentido, o que realmente deseja da vida — acaba vivendo conforme o que os outros dizem que somos.
E esse é um caminho perigoso.
Minha amiga Clarice (Lispector) dizia: Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro
Começamos a apagar traços únicos da nossa personalidade em prol de acreditar na opinião alheia sobre você não ser assim e ser assado. Vai se podando aos poucos para caber em uma definição que nem é sua. E, quando se dá conta, está vivendo uma versão editada de si, moldada pelas expectativas dos outros. Completamente perdido e infeliz.
Se dizem que você é aparecida demais, você começa a se policiar — fala menos, ri mais baixo, esconde a sua espontaneidade. Se dizem que você é ambiciosa demais, começa a se diminuir — evita falar dos seus planos, finge que não quer tanto assim, se sabota para parecer mais "humilde" aos olhos dos outros.
Aos 18, saindo do colégio e entrando na faculdade, eu tinha certeza absoluta de que sabia quem era, qual caminho seguiria, qual curso faria e batia de frente com todos para defender meus ideais. Mas, obviamente Taylor Swift já escrevou uma música sobre isso.
How can a person know everything at 18 and nothing at 22? (Como pode alguém saber de tudo aos 18 e de nada aos 22?)
Ou essa mulher é realmente vidente ou nenhuma experiência é indivual mesmo. No entanto, aqui estou eu, no auge dos meus 22 e essa música parece ter sido uma tradução dos meus sentimentos atuais mais profundos.
É como o casulo da lagarta virando borboletinha. Por fora, parece tranquilo. Por dentro, é puro caos. Sair dele dói. Abrir mão da lagarta que você conhece desde sempre — seus jeitos, medos, verdades — é um processo. Muito. Díficil.
Foi aí que entendi: entre quem eu fui e quem quero me tornar, existe um espaço-tempo onde nada parece fazer sentido. A duras penas, entendi que esse lugar exige duas coisas que eu nunca soube dosar muito bem: paciência e perseverança.
Esse lugar é simplesmente a temida caminhada até o destino. A travessia. Sem estar ali, de frente com esse caos, iremos viver uma eterna vida sem sentido, sem propósito.
Sócrates disse: o segredo da mudança está em concentrar toda sua energia não em combater o antigo, mas em construir o novo.
Mesmo quando tudo parece fora do lugar, o caos é só o prelúdio da essência.
E como esperar encontrar paz, felicidade e equilíbrio se você passa 24 horas por dia, todos os dias, ao lado de alguém que nem conhece direito? (Esse ‘alguém’ é sua inner self. Seu 'eu' mais íntimo, aquele que você vive evitando encarar.)

Me frustrava quando eu estava no scrolling infinito do Tiktok e apareciam vídeos de pessoas perguntando: “Qual é a sua essência?” e eu não tinha a menor e mais vaga ideia do que responder.
Como uma pessoa de vinte e poucos anos não sabe quem é, o que valoriza, o que acredita? Nos relacionamentos amorosos, até que descobri algumas respostas após minhas experiências. Meus limites em relação aos outros, o que quero e o que não quero de uma companhia. Mas e sobre mim? Eu, sozinha? O que eu realmente sabia?
É inevitável se proteger 100%. Ao longo da vida, a gente desenvolve sim algumas feridas — vezes como oprimidos, vezes como opressores. Vezes sofrendo pelo o que nos fizeram, vezes sofrendo pelo o que fizemos com os outros. É mais confortável ignorar tudo isso e entupir a cabeça de distrações só para não pensar. Eu sei, parece que dói menos, mas na prática, dói mais.
Quando chega o silêncio da noite, você não pode fugir de si mesmo. Fecha os olhos e se depara com seus próprios pensamentos. E se pergunta: por que continuo tomando decisões que me machucam? A resposta é simples, embora desconfortável: como tomar decisões que não ferem, se você nem sabe o que ainda está sangrando?
Enquanto as feridas estiverem abertas, qualquer gota de álcool vai arder. E vai guiar suas escolhas, seus passos, suas relações. Tudo passa a ser comandado pelo que você ainda não teve coragem de olhar nos olhos e simplesmente superar. Você vai sempre vai acabar voltando para seus problemas.
Amadurecer, eu descobri, não é fugir, mas sim encarar. Sentar de frente com tudo aquilo que você não quer sentir, até que isso perca o poder sobre você.
E mais: não dá pra desejar uma vida nova sem fechar os ciclos antigos.
Uma frase atribuída a Thomas Jefferson diz: “Para ter algo que você nunca teve, é preciso fazer algo que você nunca fez.” Às vezes, esse ‘algo’ é simplesmente olhar pra dentro.
Dar nome à dor. Chorar os 5 oceanos em lágrimas. Falar 300 vezes sobre a mesma coisa com sua amiga. Aceitar que a mudança não vem “com o tempo”. Não é verdade que o tempo cura tudo. O que cura é a sua ação com consistência ao longo desse tempo.
Atribuo a Doistoiévski: A maior infelicidade é saber o porquê da sua infelicidade.
E quando isso é compreendido, a dor já começa a se dissolver. Talvez o primeiro passo para amadurecer seja admitir: estou perdida. Só essa aceitação já tira um peso enorme das costas. Para ser sincera, me tirou foi uma risada sincera ao admitir isso.
É aceitar que, às vezes, a gente precisa se desmontar para se reconstruir com mais verdade.
É doloroso, sim. Mas, embora eu ainda não tenha chegado lá, dizem que, quando passa, chega uma paz diferente de tudo. Daquelas que você nem sabia que existia. E, com ela, vem espaço — espaço para o novo, para o leve, para o que realmente importa.
Espaço para quem você é de verdade florescer. Aos poucos. No seu tempo. Com menos medo e mais presença.
Eu amo flores. São uma das coisas mais fascinantes que existem. Tão delicadas, mas tão capazes de suportar tempestades imensas. E, curiosamente, é dessa chuva pesada que tiram a força para crescer, se fortalecer e, enfim, florescer.
Com elas, a gente aprende: ninguém floresce sem antes encarar uma boa tempestade. Acho que isso nem é só metáfora brega que eu joguei aqui — é quase uma lei da natureza.
Depois da aceitação, vem o passo mais difícil: continuar. Persistir. Resistir à tentação de empurrar de volta a bagunça pro armário.
Calce seu tênis de corrida, vista seu novo look de treino, porque o caminho de se conhecer, se reconhecer, perceber que algo não é pra você, mas, espera, talvez seja sim... é looooongo.
E ele acontece em baby steps, devagar, quase parando. Mas ainda assim, em movimento. Um pequeno progresso ainda é progresso. E a tentativa, por si só, já é uma baita conquista.
P.S.: Hoje é Dia dos Namorados. Em outra fase, eu provavelmente estaria amargurada, revirando os olhos para cada declaração de amor nas redes sociais, achando tudo breguíssimo. Até que percebi que eu AMO a breguice. Sou completamente fascinada por ela. Algo em mim mudou e encontrou paz — a ponto de não acionar mais uma ironia defensiva só porque alguém já alcançou o que eu também desejo.
Existe uma serenidade nova em mim, que me permite simplesmente apreciar a felicidade romântica alheia com leveza. Sem comparações, sem ressentimentos.
Não deixei de querer encontrar o meu príncipe encantado. Mas hoje entendo que há outras coisas igualmente dignas de um conto de fadas, como as minhas fadas madrinhas (as melhores amigas do universo).
Hoje, desejo apenas que o amor, em todas as suas formas, floresça. E isso, para mim, já é sinal de cura.