Não fiquei brava, apenas mudei toda a minha perspectiva sobre você.
Querido diário,
Expectativa. Substantivo feminino. Estado de quem espera algum acontecimento, baseando-se em probabilidades ou na sua possível efetivação. Projeções que, no silêncio, vão tomando conta do nosso consciente, quase despercebido, até que nos colocam em colisão com a realidade. Em tempos de grande valorização do autocuidado e da autoconsciência, surge uma velha questão: qual o grande causador da nossa constante ânsia de ter e o tédio de possuir?
É perigoso apontar apenas um culpado nas dores da vida, é relativo. Mas é inegável: expectativas causam transtornos imensos que poderiam ser evitados se enxergássemos apenas o que é, e não o que gostaríamos que fosse.
Não porque seja errado sonhar ou desejar, mas porque esperar que o outro corresponda às nossas idealizações é, quase sempre, um convite à frustração. E quando eles agem de uma forma que não corresponde à nossa expectativa, o sentimento é de mágoa, como se fosse uma traição. Mas será que foi mesmo?
Como assim eu estou vendo que você consegue alcançar o seu melhor, mas você não quer isso? Mas essa pergunta já revela o problema: não estamos lidando com quem a pessoa é de verdade, e sim com a fantasia que criamos sobre ela.
Uma das primeiras coisas que se debate na faculdade de jornalismo é a neutralidade. As matérias jornalísticas podem tomar um partido? Devem ser neutras e mostrar ao leitor apenas os fatos e deixar que sua bagagem pessoal forme suas opiniões? O jornalista, com sua própria bagagem pessoal, consegue ser apenas um observador neutro da realidade? Ao final de muitos debates, o consenso era sempre o mesmo: ser o mais neutro possível, sem abrir mão da sensibilidade e da humanidade que tornam o olhar jornalístico mais consciente e honesto.
Hoje, fora dos muros da universidade, tento aplicar esse mesmo princípio à vida. Trocar o julgamento pela observação. É mais simples do que parece: se alguém agiu de determinada forma, foi porque quis. Ponto final.
O que aconteceu diz muito mais sobre a pessoa do que sobre mim. Já a forma como reajo diz muito mais sobre minhas expectativas em relação à pessoa do que sobre a atitude dela. Não é motivo para raiva, irritação ou chateação, apenas um sinal de que talvez seja hora de ajustar minha perspectiva. Em vez de me decepcionar, posso apenas reconhecer: agora vejo essa pessoa com mais clareza.
Quando José Saramago escreveu: “É necessário sair da ilha para ver a ilha”, abriu-se um universo de situações em que a frase se encaixa. E cabe perfeitamente aqui. É preciso se afastar do papel de vítima ferida pelas atitudes alheias, sair das próprias expectativas e enxergar o que está diante dos olhos, sem filtros, sem romantizações. Esse é o erro mais comum: não ver a verdade, mas sim o que gostaríamos que fosse verdade.
Depositamos afeto, confiança e planos no potencial do outro, no que ele PODERIA ser, ignorando o que ele É de fato. Criamos versões idealizadas em nossa mente e nos apegamos a elas com tanta força que, até me arrisco a dizer, acabamos amando mais a fantasia que projetamos do que a pessoa em sua essência. É nesse abismo entre o real e o ideal que nasce a decepção.
Nas palavras de Marco Aurélio, “Você tem poder sobre sua mente, não sobre eventos externos. Perceba isso e você encontrará a sua força.” Aquela frase mais clichê impossível: não escolhemos como irão agir, mas escolhemos como iremos reagir a isso. No fundo, as pessoas não nos decepcionam. Somos nós que nos frustramos com as expectativas que criamos. Somos nós que insistimos em nos apegar ao que elas podem ser, e não ao que de fato são.
Pense assim: se essa pessoa permanecesse exatamente do jeito que ela é, não melhorar, não evoluir, não mudar em absolutamente nada, você ainda continuaria com ela? Você realmente ama essa pessoa ou você ama o que ela pode se tornar? Portanto, ela se torna um projeto a ser concluído para você?
Deixe que as pessoas mostrem quem são. Pare de ignorar as red flags na esperança de que um traço de sua personalidade mude. Acredite no que elas mostram, não no que você espera ver. Essa é uma das lições mais dolorosas, mas também mais libertadoras da vida.
E quando um relacionamento termina, seja ele familiar, amizade ou amoroso, a dor que sentimos é, muitas vezes, menos sobre a ausência do outro e mais sobre o colapso das nossas próprias expectativas. Aquilo que projetamos, o futuro que desenhamos, o "como poderia ter sido" que não será. A falta é da pessoa ou da história que gostaríamos de ter vivido com ela? O luto é sobre um passado que acabou ou um futuro que nunca acontecerá?
Hoje, em meio ao caos dos meus vinte e poucos anos, percebo o quanto já perdi por conta das minhas expectativas desmedidas. Relações familiares e afetivas, projetos que não avançaram, laços antigos que se romperam… Tudo porque insisti em enxergar mais do que realmente existia. Em todos os vínculos que estabeleci, entrei acreditando que aquela pessoa se tornaria quem eu gostaria que ela fosse. E, com isso, achei que paciência e insistência justificavam tudo.
Hoje, já não tenho a pretensão de enxergar além do que é mostrado. Não trabalho mais com o “e se”. Se não é dito com clareza, simplesmente não existe. Compreendi que o verdadeiro bem-estar está em aceitar pessoas e situações exatamente como são, e que a consequência disso pode ser a permanência ou o afastamento delas da minha vida. Sem floreios, sem filtros, sem projeções.
É bem mais simples do que fazemos ser. E, se aquilo que o outro é, no tempo presente, não se alinha ao que eu sou ou ao que desejo construir, não há por que investir meu futuro em quem ele pode ou não vir a ser. Potencial não sustenta relacionamento.